31 agosto, 2022

EXISTEM CAVALOS BRANCOS NO CÉU?

O apóstolo João recebeu uma revelação sobre o confronto entre Jesus e o anticristo em uma sangrenta batalha no vale do Armagedom: “E vi o céu aberto, e eis um cavalo branco. O que estava assentado sobre ele chama-se Fiel e Verdadeiro e julga e peleja com justiça” (Ap 19.11). Sobre esse enfrentamento, ele descreveu que o Senhor entrará na batalha com grande cortejo, pois viu que “seguiam-no os exércitos que há no céu em cavalos brancos e vestidos de linho fino, branco e puro” (Ap 19.14).

A alusão a um exército do céu montado em cavalos brancos gera uma dúvida: “Existem animais no céu?” Para saber se existem animais no céu ou se ao morrerem eles vão para o céu é preciso compreender como foram criados e como termina a vida deles. Conforme o relato do livro de Gênesis, os animais foram feitos “almas viventes”, cada um conforme a sua espécie. Foram criados a partir da ordem de Deus para que a terra produzisse almas viventes e ela produziu “gado, e répteis, e bestas-feras da terra conforme a sua espécie” (Gn 1.24).

Posto isso, compreende-se pela narrativa bíblica que os animais não têm espírito, são seres de existência biológica que encerram o ciclo da vida com a morte. Quando morrem, a vida deles se extingue restando apenas a matéria que se decompõe na terra. Ao contrário, o homem, criado do pó da terra, se tornou alma vivente quando Deus soprou em suas narinas o fôlego de vida (Gn 2.7). Diferentemente, das outras criaturas, ele foi criado conforme a imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26-27), com corpo, alma e espírito (1Ts 5.23), enquanto os animais possuem corpo, mas não têm espírito. Assim, o sopro de vida recebido de Deus denota a diferença entre o homem e os animais quando morrem. O fôlego de vida (espírito) soprado em suas narinas, que é a parte imaterial do seu ser, não se extingue com a morte; seu corpo formado da terra volta para a terra enquanto seu espírito retorna para Deus (Ec 12.7).

 Nesse caso, a vida do homem não termina com a morte, embora deixe de existir na terra. Após a morte, haverá duas possibilidades de ele entrar na eternidade: ir para o Paraíso, se for salvo, enquanto aguarda o retorno de Cristo para entrar no céu ou ir para o Hades (lugar de tormentos), se não for salvo, e esperar o juízo final para ser condenado (Lc 16.22-23). Quanto aos animais, eles não têm espírito, por isso, não têm vida após a morte e também não entram no céu. Assim, os cavalos brancos mencionados em Apocalipse 19.14 não são literais e a compreensão correta do texto exige considerar que o livro traz o relato das visões que João recebeu de Deus.

 Dessa forma, o exército do céu em cavalos brancos, com cavaleiros vestidos de linho fino, branco e puro, é uma conotação para demonstrar as características dos seres envolvidos nessa batalha. Pois, seres angélicos não precisam de cavalos para se locomover, mas são retratados desse modo para representar força, poder e autoridade diante do inimigo. E suas vestes retratadas por linho fino, branco e puro simbolizam justiça, dignidade e pureza, ou seja, virtudes que acompanham os santos e se revelarão no retorno glorioso do Senhor. À vista disso, o exército do céu constituído de seres angélicos e dos santos eleitos em Cristo (Ap 17.14) é mostrado a João em uma visão de soldados que surgem montados em cavalos brancos, vestindo roupas brancas de linho fino e puro. Portanto, Deus lhe revelou o futuro representado com imagens do seu tempo para que ele pudesse compreender a visão. 

    Artigo escrito por Aristeu Alves e publicado no jornal Mensageiro da Paz, edição de setembro/2022.

 


19 agosto, 2022

A TRADIÇÃO DOS ANCIÃOS

Quando Jesus chegou a Genesaré, passando por aldeias e cidades, curou muitos enfermos (Mc 6.53-56). Nessa ocasião aproximaram-se os escribas e fariseus “e, vendo que alguns dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, isto é, por lavar as mãos, os repreendiam” (Mc 7.2). A comitiva religiosa considerava que o desrespeito à tradição dos anciãos era motivo para acusar Jesus de não obedecer aos rituais de purificação. Há algum tempo ansiavam por encontrar uma forma de acusar e condenar o Mestre. E, não se contentando em falar com os discípulos, perguntaram-lhe: “Por que não andam os teus discípulos conforme a tradição dos antigos, mas comem com as mãos por lavar?” (Mc7.5b).  Para responder ao questionamento deles, Jesus, recorreu às escrituras sagradas, dizendo-lhes: “Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens” (Mc 7.6-7).

Os argumentos apresentados por Jesus mostraram que os ensinos dos anciãos, quebrados pela atitude dos discípulos de comer sem lavar as mãos, não passavam de “mandamentos de homens”. Considerando isso, não faltam extremistas com a infeliz capacidade de interpretar que não necessitamos de lavar as mãos antes de fazer as refeições. Principalmente porque depois de reprovar os hipócritas, Jesus, afirmou à multidão que “nada há, fora, do homem, que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai dele, isso é que contamina o homem” (Mc 7.15). Surge, então, no pensamento de alguns cristãos a dúvida: não precisamos lavar as mãos para comer? Sem saber o significado de lavar as mãos para os judeus podemos dar uma resposta errada para a questão.

Assim sendo, devemos considerar duas coisas antes de formular uma resposta. Primeiro, os fariseus honravam mais as tradições que as escrituras sagradas. Pois, de acordo com o Comentário Bíblico do Novo Testamento Wiersbe, na Mishná (tradição oral da Lei) encontra-se declarado que “é uma ofensa muito maior ensinar qualquer coisa contrária à voz dos rabis que contradizer as próprias Escrituras”. Segundo, o ritual de lavar as mãos, que os judeus chamam de “urchatz”, é, ainda hoje, mais que uma assepsia das mãos. Portanto, a discussão entre o grupo de religiosos e Jesus não abordava o ponto de vista da higiene corporal mas o lado espiritual. Para os judeus o ato de lavar as mãos representa uma purificação, ou seja, uma forma de se santificar antes de comer os alimentos. 

 Essa tradição vem da ordenança de Deus para os sacerdotes lavarem as mãos e os pés antes do início do trabalho sacerdotal. Eles tinham que se lavar com água antes de ministrar diante do altar para que não morressem (Ex 30.20-21). Por isso, os escribas e fariseus reprovaram os discípulos quando eles comiam sem lavar as mãos. A argumentação de Jesus contra os hipócritas não diz respeito à contaminação do corpo mas do espírito. Jesus não proibiu ninguém de lavar as mãos. Ao contrário do que muitos cristãos pensam o ensino do Mestre demonstrou que lavar as mãos antes das refeições não produz a santificação. O que ingerimos na alimentação não contamina nossa vida espiritual, mas as coisas pecaminosas que falamos nos fazem perder a santificação. Por isso, Jesus perguntou aos seus discípulos: “Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre e é lançado fora?” (Mt 15.17). E continuando explicou-lhes que “o que sai da boca procede do coração, e isso contamina o homem” (Mt 15.18).   

Portanto, deixar de lavar as mãos não traz contaminação para nossa vida espiritual, mas o que pensamos em nossos corações e falamos nos contamina com o pecado, como disse Jesus: “Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São essas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem” (Mt 15.19,20). Concluímos, assim, que lavar as mãos é uma atitude sadia para o corpo que pode prevenir doenças, mas não eleva e nem diminui a nossa santificação diante de Deus.                                               

    Artigo escrito por Aristeu Alves e publicado no jornal Mensageiro da Paz em maio/2022.